![]() |
Minha Mãe, Dona Tarsilla, alí na esquina de casa, observando um arco-iris... Foto da minha irmã, Myrian Tereza. |
Tradição significa trazer, entregar, ensinar, transmitir... É como uma semente que faz com que as coisas se perpetuem... É Natal?... Então vamos para Iguape, comemorar a data com a família.
Já em casa, estava ali sentadão sozinho num lugar em que meu pai gostava de ficar, no quintal, embaixo de um beiral, sem nenhum saudosismo e com um olhar até que prático, observando alguns detalhes da casa, o telhado e o piso que estão bacanas, as plantas e a hortinha de Tarsilla, minha mãe; coisas normais como as paredes e os muros que vão precisar de uma tinta em breve, as janelas e portas que já estão pedindo um novo verniz e tudo mais que compõe aquele espaço especial e mágico que, como um palco antigo (quase 400 anos), ali pendurado no tempo, já foi e vai continuar sendo cenário de tantas coisas de nossas vidas... Quantos quintais familiares não são assim? Não é mesmo?... Tava ali tranquilão quando, de repente, quase caí da cadeira...
Como se tivesse sido atingido por algo, algumas peças e detalhes daquele quintal saltaram à minha vista e formaram um conjunto único, identificável e familiar de coisas que até então estavam soltas por ali. Se destacaram balaios, redes, panelas, paredes antigas e outras coisas dali que trouxeram à minha consciência um tipo de confirmação do que eu já sabia... Sou mesmo um caiçara! E me orgulho dessa minha origem... Somos do cóvo, da canoa, do "robalínio", da vivóca, como eu digo às minhas irmãs...
Dá uma olhada aí...
Como se não bastasse esse “tapa”, levantei da cadeira e quando me virei para pegar outra cerveja, dei de cara com uns quadrinhos que minha irmã fez, colocou ali na parede e que já os li um montão de vezes, mas cada vez que a gente os lê, percebe de um jeito diferente. São coisas que meu pai escreveu, e neste está lá o seguinte texto de Dito Veiga...
Para Tarsilla
Veja, Tarsilla, esse vento lá fora,
vergando gerânios vermelhos no jardim!
É como as procelas da vida, embora
não nos desalinhem a alma, tanto assim!
Olha, daqui, querida, como as vidraças
velhas, ao impacto do sul arquejam!
Vivem nesses casarões de tintas baças
amores tantos que no amor se arejam...
A chuva que desce em goteiras pelo beiral
a calçada cinza, longa, larga e nua
embala meu sonho, engalana o vendaval
com borrifos de prata em chispas na rua
Eita!... É hoje! Pensei... Mas o negócio ainda não tinha acabado. Virei um tantinho a cabeça e num outro quadrinho, também escrito pelo meu pai, tava lá o seguinte texto:
Amigo, nossa casa também é sua!
Aqui, fale com franqueza ao vento, ele levará e deixará ao longe, nas quebradas, todos seus lamentos ou talvez sua ufania.
Adentre a floresta, iluminada pelo sol, e medite à beira das cascatas – elas sabem de você e de suas origens; vá acolá e ame o mar – ele o envolverá na alvidez de suas espumas, no buliço de seu marulho e na quietude ou no vigor de suas águas e consentirá que você repouse em suas praias nuas e ensolaradas.
À noite, com todo seu arrebatamento de mortal, contemple estes céus sem fim e confie à lua, às nuvens e às estrelas algo que você esqueceu de falar ao vento – elas jamais dirão a alguém.
Ao final de tudo, creia em Deus! Foi ele quem fez tudo isso e permitiu que você estivesse hoje aqui, conosco.
Quando você quiser. Volte!
Respirei fundo, me aprumei e, já pensando em trocar a cerveja por uma cataia, só agradeci a Deus por tudo... e dava para fazer outra coisa?...
... Pai, as andorinhas ainda continuam vindo lá dos lados da Igreja do Rosário, fazendo aquele vanzeiro por cima dos telhados... alegrando nosso quintal no final da tarde...